sexta-feira, 7 de março de 2014

Dia de Sol

Talvez fosse só o sol queimando meus olhos, mas eu não podia mentir que eram lágrimas que comunicavam a dor que vinha me queimando por dentro. Como haviam pessoas ali ao meu redor no jardim externo do Teatro, eu ainda colocava a mão frente aos meus olhos franzidos, apoiando-a nas sobrancelhas disfarçando, fingindo que era a claridade que me irrigava. Eu sentei no banco como se houvesse montado em um cavalo, com as pernas separadas, o banco era de uma grande extensão fazia curvas, de longe lembrava o desenho de uma onda. Então eu estava sentada ali acompanhada de vários estranhos com rostos simpáticos refletindo felicidade. Eu tentei não sentir inveja de todos e iria me concentrar em estudar para o exame de amanhã. Subi uma das minhas pernas para poder apoiar o livro, tentei achar uma pasta de músicas do meu Ipod que não me falassem de nada que lembrasse da minha dor. Mas era praticamente impossível, xinguei de não ter baixado um CD de piadas, mas creio que até nas piadas eu iria encontrar algo que me lembrasse do buraco no meu peito.
Enquanto eu ainda tentava ajeitar minha mochila no colo e os livros, eu pensei que as pessoas estavam rindo demais pro meu gosto, comecei a me irritar. O casal de mocinhas que trabalhavam no Café, se beijavam loucamente. O rapaz alto e largo fazia gracinhas com duas garotas assanhadas. Uma moça alternativa, muito branca para o nosso clima tropical, tinha um aspecto de estar semanas sem lavar seus cabelos lisos e sebosos, falava num tom baixo, mas tão rápido ao celular que de qualquer jeito não era entendível, mas ela estava feliz. Bah, será que não percebiam que era maldade essa felicidade toda? Que estão dificultando a minha tentativa de cicatrização do buraco? Já ia me levantar quando lembrei que sentei neste lado do pátio, porque o outro havia aquele bendita árvore que eu deitei debaixo dela numa segunda–feira à noite falando ao celular com... não interessa com quem! Aquele dia sim eu estava feliz, eu ria compartilhando risadas e desenhava com o dedo indicador, no ar, as folhas da copa da árvore testemunhava aquele momento tão bom que só acabou porque descarregou o telefone.

Bom, foi por isso que eu não poderia me sentar lá, porque eu provavelmente deitaria no chão debaixo da árvore, mas não por contentamento, e sim porque a dor iria ressuscitar e eu teria que me embolar no chão para contê-la.

Olhei novamente ao meu redor pra ver se alguma coisa havia mudado, se tinha alguém com cara de paisagem pelo menos, mas não, só as mocinhas que não se beijavam mais e sim riam em alto tom colocando pedacinhos de chocolate na boca uma da outra. Pensei na caixinha de Ferrero Rocher que estava vazia na gaveta da minha cômoda. Urgh! Fechei os olhos e implorei a Deus por um momentozinho de paz, mas a única coisa que eu consegui foi um mocinho de camisa cor sim/cor não me olhando com cara de pedinte. Só faltava essa... Levantei, juntei minhas coisas e saí andando pelo Teatro para ver se não havia nenhum filme chinês com legenda em grego que eu pudesse assistir... em vão. Procurei algum idoso falastrão, sempre há um que me acha com cara de mocinha de caridade e resolve me contar de outrora. Nem isso havia. Eu agora sentei na parte interna do teatro, nuns bancos perto do Cine. Haviam diversas pessoas ali, mas desta vez não me importavam, nem sequer percebi se me atingiam os olhos.

Já haviam passado várias faixas de músicas, várias pastas e não tinha percebido nenhuma. Graças à Deus, acho que ele me ouviu sim. Mas logo quando fui perceber qual tocava n o momento, era Tristesse. Não teve como me conter novamente, a ferida abriu-se, e agora já não tinha mais a desculpa do sol afetando minha fotofobia. Eu apenas me virei para a parede e tentei fazer um exercício de respiração que ao invés de ajudar, me fez perder ainda mais o ar. O banheiro feminino estava a dez passos de onde eu estava sentada, mas parecia que minhas pernas desobedeciam meu cérebro e não consegui me levantar para me esconder numa cabine do toilet.
Tentei segurar a dor fechando o zíper da minha blusa tapando o decote, e disfarçadamente eu limpava as lágrimas com a ponta dos meus dedos e descia-os molhados passando na garganta pra ver se derretia a bola dura que havia lá, na tentativa de deixar o ar passar, para que eu não desmaiasse ali mesmo.

Quando abri os olhos, depois de 20 segundos me preparando psicologicamente para que nada húmido saísse quando eu os abrisse, vi que as portas do Cine se abriam. Agora minhas pernas se manifestaram sozinhas e eu peguei o ingresso no bolso de trás do jeans e entreguei ao senhor da entrada. Sentei bem cômoda em uma das últimas fileiras num lugar estratégico para o qual ninguém fosse se incomodar de sentar ao meu lado. Me distraí quase todo o filme, apesar de lembrar de mim em algumas personagens. O subúrbio antigo da Polônia era muito longe da minha realidade de subúrbio do interior mineiro. Não haviam tantos amores, e nem eram distantes, então eu me lembrava sem perder a perspectiva do filme. Em síntese, a ferida se fechou temporariamente. Mas quando me ative que o filme estava chegando ao fim, tive muito medo dela se abrir novamente e o lanterninha querer me tirar a força da poltrona e eu tentar dizer pra ele e para as minhas pernas que eu queria sair e não conseguia. Perdi boas cenas imaginando isso. O público ria, eu pensei se eles estavam assistindo meu pensamento na tela... mas não era esse pesadelo, era apenas o garotinho polonês mijando no pneu do Porsche do magnata italiano, mesmo. Eu ri do lindo encapetado loirinho e continuei me distraindo até que acabou e o lanterninha não precisou me guinchar da poltrona. Levantei automaticamente e fui rumo as escadas que subiam pro hall que dava para a avenida principal.

Bastaria atravessar três ou quatro sinais para chegar ao ponto do meu ônibus intermunicipal e eu teria que ficar consciente para atravessar sem ser atropelada. Respirei o máximo e mais profundo que pude e fui pensando em inspirar e expirar sem parar... até que atravessei os três sinais (o outro que imaginei, não existia). Rapidamente o meu ônibus chegou. Entrei, sentei em uma cadeira velha qualquer daquela lata desmanchante e adormeci por quase uma hora, sem sonhos, sem a dor.
Foi fácil chegar em casa, o caminho era demarcado como algo automático a se fazer. Merda de automação, eu tinha que lembrar... Mas ao chegar em casa a mesma ladainha e gritaria de sempre, que mesmo não sendo comigo, me atingia. Eu sorri trancando meus sentimentos e minha dor para quando eu fosse deitar, rezando para meu telefone tocar e desaparecer eternamente com o buraco. Deitei com o telefone ao meu lado, mudo, paralisado, sem tocar, sem vibrar, sem vida.

Tudo bem... pode sair dor, pode doer, todos já dormem e eu não preciso mais fingir. Te sentirei até adormecer. Quem sabe amanhã eu consiga te libertar de mim, mas se não der, vamos rezar para que faça um sol ardente e eu possa chorar.
*BC

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