O LAGO
Mesmo no mais rigoroso inverno, se fazia questão de todas as manhãs ajoelhar-se em frente ao lago. Paralisada como por hipnose, ficava cerca de 20 minutos olhando para dentro dos seus próprios olhos refletidos na límpida água.
Naquele momento nada mais existia, tudo a sua volta se transparecia no vazio, como se transportasse para uma dimensão que só existia ali: sua doce e frágil alma.
Este ritual era feita de uma forma natural para ela assim como escovar os dentes ou se lavar.
Certo dia, ao acordar, seguiu direto ao banho, não demorou mais que 10 minutos. Com a toalha atrelada ao corpo, pegou instantaneamente um jeans escura, aquela camisa arroxeada e um casaco qualquer.
Sentou à mesa da cozinha para engolir seu café e com torradas enquanto penteava os cabelos. Escovou os dentes e depois, somente passou o batom. Apanhou a bolsa no aparador e saiu.
No mesmo matinal e rotineiro caminho que a levava até o lago, não olhara nem para os lados. Não ouvia nenhum cumprimento andando sempre em frente, como uma cega que se guiava pelo instinto.
Sempre, em todas as manhãs, era ela quem abria o imenso portão velho e ruidoso de metal.
Exceto naquele dia...
Exceto naquele dia...
Seu coração disparou como se tivesse revelado a vida deste órgão.
Quando se aproximara da entrada do parque, viu uma grande movimentação de homens e máquinas trabalhando já a ‘grande vapor’.
Fingindo para si mesma não acreditar, mas em seu mais profundo íntimo já sabia o que acontecera.
Andou ‘insanamente’ empurrando como barreiras móveis, as pessoas que tentavam a impedir seguir em frente.
Sua bolsa escorregou pelos ombros e seus braços caídos inanimados, pois Inanimadamente respondia apenas ao estímulo norteado de chegar ao destino.
O lago.
Estacionou seu corpo, que sem qualquer força, caiu ajoelhado no cimento fresco.
Nada mais refletia ali. E seus olhos já não mais se enxergavam, não mais refletiam sua alma, sua força, sua dor ou talvez qualquer amor.
Só via, anuviadamente, um embaçado ardido de suor e lágrimas.
Só via, anuviadamente, um embaçado ardido de suor e lágrimas.
Seu corpo foi desvaindo, as forças se esvaíram com extrema rapidez e em segundos não mais existiam ali.
Todos aqueles homens parados atônitos ao seu redor. Embasbacados, mas nenhum daqueles trabalhadores teve a audácia de pronunciar qualquer som, muito menos palavras.
Apenas velavam, com olhos embotados, aquela desconhecida, morta, afundando num mar de cimento e lágrimas.
Mais uma vez, ordinariamente, fez perder-se um lago, uma mulher, uma vida, um olhar, uma alma...
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